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Mateus M.
6 min readJul 25, 2022

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Photo by Nicolas Thomas on Unsplash

CW: esse texto fala sobre alguns assuntos bem pesados como morte e suicídio.

Desde criança, intelectualmente armado apenas do meu inglês de escola, sempre fui um ávido fã de JRPG; jogos focados em narrativa e gameplay com aspecto mais tático (muito embora hoje em dia esteja transitando mais para combate em tempo real, com alguns ainda mantendo raízes permitindo uns minutos de “menu-ing” com a porradaria pausada), e devo a eles não apenas minha atual fluência em inglês mas também as inúmeras lições de vida e conhecimento cultural. Ragnarok e Valkyrie Profile me deixaram uns bons anos obcecado com a mitologia nórdica, Breath of Fire IV me ensinou que nem sempre o boss final é o vilão da história, Persona me ensinou que vivemos numa sociedade, enfim…vai longe. Dentre tantas histórias e universos que visitei, alguns me marcaram na memória de forma irreversível, e vamos falar de uma delas hoje.

Algumas histórias ousam tocar em conceitos mais profundos, filosóficos, coisas que no dia a dia as pessoas evitam conversar sobre por não existir uma única resposta, ou uma forma confortável de se aceitar — a imutabilidade brutal da única verdade sobre tudo: nada, absolutamente nada sobrevive ao tempo. Estrelas morrem, planetas morrem, impérios caem, a constante expansão do universo lentamente tornando o caos e a entropia cada vez menos eficazes, até um ponto onde tudo estará em perfeito equilíbrio — nada criado, nada perdido, nada transformado. Nada. É muito difícil abordar o existencialismo sem soar pessimista ou flertar com outras escolas como o niilismo, e o que não falta no mundo são crenças a respeito do que vem depois da vida (e até antes). O que não falta também são promessas oferecendo balas de prata contra a depressão, contra a tristeza, ansiedade, e todos os outros sentimentos ditos ruins — porque “impactam na sua produtividade”. Mal sabem as pessoas que essa constante luta contra nossa própria humanidade é tão nociva quanto a total ausência dos referidos sentimentos seria. Lembra do caos? Ele está presente em absolutamente tudo, nossa vida só é possível graças a ele, e é possível encontrá-lo em todas as ordens de magnitude imagináveis: a dor da morte de um ente querido é imensa, nos muda pra sempre por exemplo. E se nada disso existisse? No que se traduz o perfeito equilíbrio emocional? Apatia. Nada. São extremos que quando se tornam uma raison d’être nos tornam distantes de tudo que nos faz humanos, e não temos escolha quanto a isso, tendo em vista o destino dos renegados: o afogamento no desespero do vazio existencial sabendo que tudo pode acabar a qualquer momento, e a completa inércia ao decidir viver apenas no aguardo do fim. Vem à mente, então, a pergunta que todos se fazem cedo ou tarde: por que vivemos? Qual o sentido disso tudo? E eu gosto de responder isso com a pior resposta possível: sei lá.

Bem, pensa comigo, por que raios existiria uma resposta única, global, universal pro sentido da vida? Tem gente que vive pelos prazeres, pelo desconhecido, a maioria apenas sobrevive, sonha e busca uma resposta, mesmo que inconscientemente. Não há resposta certa, e seu bichinho de estimação com certeza não dá a mínima pra isso, mas ele continua sendo tão importante no universo quanto você é pra ele. O problema é que somos condicionados a acreditar que uma resposta só é válida desde que seja grandiosa. Viver cada dia como se fosse o último não é sobre vender tudo e sair num motorhome, pode ser tão somente acordar e dizer que ama alguém.

Ours is not a kind world, but it is beautiful. Always.

Mas simplesmente “viver” parece algo estupidamente fácil de se dizer, não com os nossos limites sendo testados dia após dia, nossa existência diminuída a meras estatísticas e classes, com alguns idosos ricos decidindo numa poltrona como será nossa vida pelos próximos meses; isso quando a própria natureza não se rebela em forma de uma calamidade sem precedentes (estamos vivendo uma agora mesmo).

Tentando construir o nosso próprio legado enquanto carregamos nas costas o daqueles que se foram, daqueles que caminham ao nosso lado física ou figurativamente, e tirando das memórias a força pra quem sabe sair da cama num dia difícil, para que mais bons momentos possam vir um dia. Na maior parte das vezes é desanimador bater de frente com a desproporcionalidade de dias bons e dias ruins ou esquecíveis, para alguns de nós apenas pensar nisso já causa tamanho desconforto que gera ansiedade. Nossa maior dádiva também é nossa maior maldição: a auto-consciência, saber que estamos vivos e também que um dia iremos embora. Há uma pressão enorme em fazer da vida um exemplo a ser seguido, em não se tornar mais uma presa do capitalismo tardio custe o que custar, e aqueles que não suportam 24/7 disso buscam conforto em um sem-fim de atividades: drogas, festas, religião, entretenimento. Distrações. Muitas vidas inclusive acabam por aí. Mas é como se existisse algo que nos caça, que todos os dias busca quebrar o nosso espírito por completo, novamente testando nossos limites. Contas a pagar, trabalho, imprevistos, dinheiro, desentendimentos, política. Por vezes tudo parece tão brutalmente monótono e sem perspectiva que a vontade é de desistir, muitos até mesmo enlouquecem — que porra aconteceu nos EUA hoje de novo?! Outros ficam presos ao passado, desejando o retorno de épocas há muito passadas, que o mundo retorne aos bons tempos (pra uns, nem tanto pra outros). O sofrimento não tem uma forma, tangibilidade ou raiz única, e está por toda parte em todos os seres vivos, em um ciclo de luta pela sobrevivência. Eu nunca julgo aqueles que de fato desistem, tenho ideações do tipo com mais frequência do que realmente admito (muito embora nenhuma real intenção), viver não é pra qualquer um, e no final acumularemos muito mais tentativas frustradas do que sucessos. Quando nosso espírito (entenda como quiser) está no limite das forças é necessário pedir ajuda, nós precisamos uns dos outros sempre, nascemos precisando. Não sei de onde saiu isso que ser adulto é ser dono da vida, as pessoas cobram de si mesmas algo que nem o homo sapiens 2 terá.

Tropeçamos, levantamos de novo, e tudo passa, deixando à frente a chance de um novo recomeço e uma nova visão, mesmo com o âmago remendado e por um fio. Acho que no fim todos nós somos muito mais fortes do que imaginamos, mas jamais indestrutíveis, não existe espírito inabalável. Mesmo os que quebram e não conseguem se reerguer mais, manchados pelo estigma da covardia por aqueles que apenas possuem uma visão enviesada de desespero e da vida. Reconhecer a mortalidade e a vulnerabilidade é o que nos torna humanos, e fazer um futuro melhor — pode ser pra amanhã, lavando as louças acumuladas, ou pra um futuro mais distante, seus herdeiros — acaba sendo a missão de muitos; diária ou de longo termo. E em meio a crises globais, guerras, notícias ruins e nossa própria consciência, seguimos dando nosso próprio sentido a isso tudo, algo que pode nem existir uma palavra alemã obscura para definir. E caso não tenha ficado óbvio:

Esse texto foi fortemente inspirado por Final Fantasy XIV, em especial sua expansão Endwalker, que trata dos temas abordados aqui e muitos outros. São coisas que com certeza vou levar pra vida, e que me deixaram em termos melhores com as inúmeras frustrações que já vivi, e também as perdas. Eu queria muito poder falar desse jogo contigo, André! E um dia eu vou, mas ainda tenho muito o que fazer por aqui enquanto posso. E espero que você, que aguentou ler até aqui, também tenha.

When the world comes crumbling down

Know I’ll be there

Though our fleeting moment has gone

You’re not, you’re not alone

As you turn your eyes to the stars

Oh, I’ll be there

With my chorus guiding you

Forge ahead

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Mateus M.

He/They. Web developer, writes and overshares mostly about mental health. Tech, cats and cute things. May write in EN or PT-BR.